Ciclo completo da Polícia – por Wilson Klippel Cicognani Júnior

O tema segurança pública na atualidade tem se mostrado em destaque nos últimos tempos. Todos os dias somos açodados com notícias que mais parecem cenas de filme de terror, mas que se tornaram tão banalizadas que assistimos como se não fossem barbáries.
As soluções apresentadas por autoridades, políticos, juristas e estudos de criminologia são de toda ordem. Filio-me aos estudos de criminologia, os quais debruçam-se sobre teorias e pesquisas científicas, o melhor caminho para solução da violência e da criminalidade, pensando mais em caminhos preventivos do que os atuais repressivos.
Poderia escrever laudas e laudas a respeito das várias correntes que se apresentam para a solução destas controvérsias, mas penso que o ciclo completo de polícia é o mais atual, pois envolve as estruturas dos órgãos policiais.
Defendido abertamente pelas polícias militares e alguns membros do ministério público, parece ser a salvação para a segurança pública. Ademais, não posso me furtar de tecer elogio a esta sistemática de atuação para os agentes de segurança pública.
A sociedade não está interessada em qual polícia tem competência ou atribuição para atendê-la nos momentos críticos em que se espera uma pronta resposta estatal. Quando um agente de segurança pública entra em ação, o cidadão somente quer que seu problema seja resolvido pelo agente do estado, não importando se policial federal, estadual ou guarda municipal. Neste aspecto o ciclo completo de polícia se mostra o mais eficaz para a sociedade.
Não é por acaso que nos últimos anos surgiram diversos Projetos de Emenda a Constituição como a PEC 430/2009, PEC 423/2014 e a mais recente PEC 127/2015. Referidas PECs tem como conteúdo principal permitir que as polícias militares, e esta última, as guardas municipais, realizem o ciclo completo de polícia.
Em síntese, o ciclo completo de polícia permitiria que um mesmo órgão policial, fizesse a investigação, a prisão, o inquérito policial, requisitasse perícias e depois finalizasse o procedimento com encaminhamento ao sistema carcerário e ao judiciário. Um espetáculo para a sociedade que não ficaria mais “refém” de diversos órgãos para todas as etapas policiais. Destarte, da forma como se apresenta, uma grande falácia apresentada à sociedade, pois atrás desta grande salvação encontra-se uma briga de poderes entre instituições.
O que devemos observar é que nosso sistema constitucional não permite tal arranjo. Cada função policial exige determinadas técnicas de trabalho e atribuições dos seus respectivos cargos. Isso inclui a exigência de escolaridade no ingresso nas respectivas carreiras. Cite-se que, por exemplo, no Rio Grande do Sul, para a carreira de policial civil há exigência de nível superior, direito para delegado e qualquer área para agentes, sendo que para as polícias militares, somente capitão tem exigência em direito, os demais são de nível médio. Diferente não é com as guardas municipais, as quais em sua maioria são de nível médio. Essa situação não se repete nos demais estados da federação, onde em alguns entes os cargos das polícias militares não há exigência de direito para oficiais.
Também se deve observar que as respectivas formações dos agentes de segurança pública recebem tratamento diferenciado conforme prevê o preceito constitucional, e de acordo com suas respectivas atribuições. No que diz respeito às polícias militares a situação é muito delicada, pois como o próprio nome diz, são militares.
A Polícia Militar não tem o título por acaso. Sua raiz é de fato militar, e seu objetivo mais comum, no mundo, é o de funcionar como uma corporação de reserva das Forças Armadas, para atuar em situações de guerra ou conflito. Isso implica que a sua formação histórica é diferente dos agentes civis, assim como a sua formação, seus títulos de hierarquia (capitão, tenente, coronel e major), código penal militar e objetivos. Tanto é que a Polícia Militar está subordinada à Inspetoria Geral das Polícias Militares (IGPM), um órgão do Exército, criado pelo Decreto-Lei 667 de 02 de julho de 1969 e recepcionado pela constituição federal como lei ordinária federal. Ademais o policial militar está submetido a uma Justiça Militar (além da civil) e, se preso, é enviado a presídios especiais, conforme divulgou G1. A situação é tão emblemática que recentemente o Conselho de Direitos Humanos da ONU pediu o fim da Polícia Militar no Brasil. Portanto, atribuir às polícias militares a execução de tarefas eminentemente civis, no atual contexto constitucional, não parece ser a melhor solução.
Diferentemente das guardas municipais que, muito embora uniformizadas, prevê o estatuto das guardas municipais (lei federal 13.022/2013) que, não são, nem podem ter natureza militar. Ou seja, o contexto constitucional não é favorável a tais mudanças. O melhor caminho seria sim implementar o ciclo completo de polícia, mas com uma mudança, no sentido de que as polícias militares deixem de ter esta característica (militar), que não encontra respaldo em nossa constituição, que é considerada constituição cidadã.
Realizada tal mudança, quer seja, com a retirada do caráter militar apenas, ou sua absorção pelas polícias civis e guardas municipais (eminentemente civis), poderíamos pensar uma atividade de ciclo completo de polícia por instituições de natureza civil, deixando de utilizar polícias de natureza militar, que mais se apresentam para defender o Estado do que o cidadão.
E finalizo reiterando, pensar nesta hipótese, pois ainda dependeríamos de um amplo debate de reestruturação do formato constitucional para os órgãos de segurança pública.
Wilson Klippel Cicognani Júnior
Membro da diretoria do Sinpol-RS
Mestre em Direito
Especialista em Segurança Pública
Procurador Municipal
Professor Universitário

 

09/12/2015 Autor: Wilson Klippel Cicognani Júnior

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

14 + catorze =